quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Memória de Erico Veríssimo

Só agora Amaro acredita que a Primavera chegou: de sua janela vê Clarissa a brincar sob os pessegueiros floridos. As glicínias roxas espiam por cima do muro que separa o pátio da casa vizinha. O menino doente está na sua cadeira de rodas; o sol lhe ilumina o rosto pálido, atirando-lhe sobre os cabelos um polvilho de ouro. Um avião cruza o céu, roncando - asas coruscantes contra o azul nítido.

Amaro sente no rosto a carícia leve do vento. Infla as narinas e sorve o ar luminoso da manhã. Não há dúvida: a Primavera chegou. Os pessegueiros estão floridos, as glicínias se debruçam sobre o muro, o menino doente já mostra no rosto magro  sombra de um sorriso.

- Lindo! - exclama Amaro interiormente.
E se tentasse exprimir em música o momento milagroso? Quem sabe? Clarissa ainda corre sob as árvores. Grita, sacode a cabeleira negra, agita os braços, pára, olha, ri, torna a correr, perseguindo agora uma borboleta amarela. Longe, lampeja um pedaço do rio. Mais longe ainda, a sombra azulada dos morros. E por cima de tudo, a porcelana pura do céu.

Erico Veríssimo, Clarissa, págs. 5-6

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