A terra e a água, a luz e o vento consubstanciaram-se para dar corpo a todo o amor de que a minha poesia é capaz.
As minhas raízes mergulham
desde a infância no mundo mais elementar. Guardo desse tempo o gosto
por uma arquitetura extremamente clara e despida, que os meus poemas
tanto se têm empenhado em refletir; o amor pela brancura da cal, a que
se mistura invariavelmente, no meu espírito, o canto duro das cigarras;
uma preferência pela linguagem falada, quase reduzida às palavras nuas e
limpas de um cerimonial arcaico - o da comunicação das necessidades
primeiras do corpo e da alma.
Dessa
infância trouxe também o desprezo pelo luxo, que nas suas múltiplas
formas é sempre uma degradação; a plenitude dos instantes em que o ser
mergulha inteiro nas suas águas, talvez porque então o mundo não estava
dividido, a luz, cindida, o bem e o mal compartimentados; e ainda uma
repugnância por todos os dualismos, tão do gosto da cultura ocidental,
sobretudo por aqueles que conduzem à mineralização do desejo num coração
de homem. A pureza, de que tanto se tem falado a propósito da minha
poesia, é simplesmente paixão, paixão pelas coisas da terra, na sua forma mais ardente e ainda não consumada".
[Eugénio de Andrade, uma biografia por si construída]
Eugénio de Andrade, Prosa, Modo de Ler, 2011
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