É uma das melhores formas de encerrar as ideias de leitura que por aqui se fizeram. Foi um dos livros apresentados numa das Bibliotecas e ela foi, é uma figura encantadora. No dia do seu nascimento a evocação de Matilde. Ela
foi, é uma das mais importantes escritoras para a infância que se
escreveu em língua portuguesa. Nestas alturas a biografia de um
escritor são as suas palavras. Mesmo que perdendo a presença do olhar,
do entusiasmo, da transpiração emotiva no encontro que tantas vezes fez
em tantas bibliotecas. Ficam os seus títulos, as suas sílabas, onde
tentou revelar pelas palavras essa sabedoria de lidar para os dias como
uma possibilidade nova, onde o amor se entrega acima dos nossos dias
sempre precários de futuro.
«Aurora esperou-me toda a tarde de domingo, na sua cama branca, de ferro.
Tinha
posto uma fita vermelha a segurar os cabelos escuros. Esperava-me,
esperava a minha visita, cuja promessa as companheiras lhe haviam
transmitido.
Veio a família: mãe, pai, irmãos, amigos, as colegas.
– Estou à espera da professora…
No dia seguinte a doença foi mais poderosa que a sua juventude, a sua doçura, a sua esperança.
A cabeça escura, sem a fita vermelha, adormeceu-lhe profundamente na almofada, talvez incómoda, do hospital. Sabemos todos já, amigos, que há vida e morte. Também isso temos de aprender.
Não
fiquem tristes por isso. Vejam como as flores nascem quase
transparentes da terra, como as podemos olhar à luz do Sol, e morrem,
para de novo nascerem. Lembrem-se
como de um ovo de um pássaro podem sair asas que voem tão alto em dias
de Primavera. E morrem, também, e todas as primaveras nascem de novo. E,
sobretudo, lembrem-se do coração de cada um de nós, desta força imensa.
E
não adiem os vossos gestos. Procurar alguém que sofra, que precise de
nós, nem sequer é um gesto generoso, deve ser um gesto natural que se
não adia. Às
vezes até precisamos uns dos outros para dizermos que estamos felizes,
contentes. Só para isso. Mesmo felizes precisamos dos outros.
Aurora ensinou-me para sempre esta verdade. As lágrimas que por ela chorei já não lhe deram aquela visita dopróximo domingo. Nem
a mim a alegria de a encontrar sorrindo, cheia de doçura, com uma fita
vermelha a prender os cabelos escuros. Vermelha de sangue, como a vida. O
Sol. Flores vermelhas.
Aurora
era o seu nome. E a sua vida uma manhã apenas que, na minha distracção
ou egoísmo, não tive tempo de olhar. Uma manhã com uma fita vermelha.
Que lágrima nenhuma pode reflectir.» (1)
(1) http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercialmatilde.htm